GAZETA DO POVO
OPINIÃO
ARTIGO
Aborto e objeção de consciência
Publicado em 01/09/2013 |ELIZABETH KIPMAN CERQUEIRA
Recentemente, na novela Amor à Vida, um médico se negou a atender
uma paciente que chegou ao hospital em estado de choque após ter
provocado um aborto ilegal, alegando que isso iria contra sua
consciência. No entanto, a cena misturou dois conceitos, omissão
de socorro e objeção de consciência, com o risco de o espectador
não perceber a diferença entre as duas situações. Por isso,
é preciso fazer observações importantíssimas sobre esta
questão apresentada com frequência pela mídia.
O médico tem obrigação ética de prestar socorro a qualquer
pessoa em risco de morte ou em situação de emergência;
portanto, não existe o recurso da objeção de consciência
diante de uma mulher em situação de risco após tentativa
de aborto, não importa como ele tenha sido realizado.
Isso é completamente diferente de afirmar que um médico
é obrigado a realizar um aborto. Neste caso, é-lhe
assegurado o direito de objeção de consciência.
Assim, o que houve na novela não corresponde à
realidade dos hospitais: negar-se a salvar uma vida em risco
iminente é uma infração grave, diferente da objeção de
consciência. Inclusive nem é preciso haver uma lei sobre
omissão de socorro, porque isso já está no Código de Ética
Médica. Entretanto, algumas leis atuais no Brasil têm,
na verdade, o objetivo de forçar a liberação do aborto,
alegando não existir direito à objeção de consciência para
instituições e para o médico nestes casos, porque a mulher
correria risco se procurasse um aborto ilegal.
Porém, consideremos: uma pessoa que quiser amputar
sua própria mão sem ser por motivo de saúde não pode ser
auxiliada pelo médico, que sofrerá severa punição se o fizer
– apesar do risco que esta pessoa corre se insistir em fazer
o ato de forma insegura. Mas, quando existe a ameaça da
realização de um aborto provocado, o médico seria obrigado
a fazê-lo? Para dizer que sim é preciso negar a existência de
um ser vivo humano em gestação. É preciso negar a humanidade
daquele que se quer eliminar.
Uma única morte materna devida ao aborto provocado deve ser
lamentada, mas esta não é uma das principais causas de morte
de mulheres no Brasil. Dados oficiais do Ministério da Saúde
declaram que ocorrem em torno de 450 mil mortes do sexo
feminino ao ano. Destas, 66.400 são mulheres em idade fértil,
sobretudo devido a doenças do aparelho circulatório e a tumores
malignos. O número de mortes após o aborto desde 1996 variou
entre 115 e 169 casos por ano, sendo que uma grande parte nada
tem a ver com o aborto clandestino, mas com patologias
diversas da gestação.
Entre as 450 mil mortes femininas anuais, existem causas
graves e evitáveis que matam maior número de mulheres no Brasil
– essas, sim, são uma verdadeira questão de saúde pública.
O fato de que o aborto é praticado, gerando internações e gastos
públicos, também não é argumento, porque a experiência em
outros países mostra que a liberação aumenta o seu número,
bem como as internações por outros problemas de saúde da
mulher no curto, médio e longo prazo; além disso, uma
contravenção não deve ser liberada apenas porque é praticada.
O recurso à objeção de consciência é exigência do regime
democrático, garantindo ao cidadão o direito de não participar
de ato criminoso ou que esteja contra seus princípios.
Assim como é dever de consciência oferecer informações
verdadeiras à população, sem distorção do significado
das palavras e atitudes.
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Elizabeth Kipman Cerqueira, médica ginecologista e obstetra,
é coordenadora nacional de Bioética do movimento Brasil sem Aborto.
Fonte: GAZETA DO POVO
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